Ao contrário daquela que parece ser a opinião dominante, senão unânime, não vejo nos episódios de ontem, necessariamente, um prejuízo grave para o país. É verdade que as declarações de Cavaco Silva e do PS foram invulgarmente duras. Mas, justamente por terem sido duras, foram também clarificadoras.
A tensão surda que até ontem era indirectamente alimentada por terceiros, pontuada por cinismos, ironias, indirectas e remoques dissimulados deixou de ter pasto para crescer.
Os protagonistas directos saíram de trás das suas fontes e assumiram-se, na primeira pessoa, ficando claro ao que vêm. As palavras e atitudes de ambos podem, doravante, ser objectivamente escrutinadas pelos portugueses, enquadradas no seu verdadeiro contexto.
Dir-se-à que aquilo de que o país, neste momento, menos precisava era de uma situação de incompatibilidade política (no pressuposto que a compatibilidade institucional, mais do que possível, é obrigatória) entre os dois principais órgãos de soberania. Assim é.
Contudo, se a ruptura política é uma realidade incontornável, e ao que parece inultrapassável, seria bem pior que permanecesse escondida na sombra à mercê de interpretações supostamente graciosas.
A verdade é que, ao longo destes últimos meses, o sistemático recurso às 'Fontes' revelou-se tão pernicioso para o sistema político-constitucional quanto os offshores, quando utilizados com objectivos menos claros, se revelaram prejudiciais para a saúde do sistema económico-financeiro. Uns e outros permitiram - e permitem - a ocultação da origem de fluxos, financeiros, estes, de informação, aqueles, objectivamente servindo as mais variadas e grosseiras manipulações.
Ontem, fez-se luz e os portugueses podem agora fazer os seus juízos com maior clareza.